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Brasil conta com apenas 52 unidades públicas de emergências psiquiátricas

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Falta de estrutura para o atendimento de crianças e adolescentes, aumento da demanda de pacientes, superlotação de salas de curta permanência e falta de vagas para internação são alguns dos problemas enfrentados pelas unidades de emergências psiquiátricas brasileiras. Essa conclusão está descrita no artigo Psychiatric emergency units in Brazil: a cross-sectional study, publicado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), que avaliou as unidades de emergência psiquiátrica do País. Os pesquisadores também constataram que existem apenas 52 unidades públicas desse serviço no Brasil e, dessas, apenas 29 aceitaram participar do estudo.

Essas unidades atendem casos de emergência psiquiátrica, quando uma pessoa tem uma quebra do equilíbrio psíquico que pode colocar a própria vida e a dos outros em risco. A ideia é que os pacientes permaneçam nas unidades por até 72 horas e, depois, sejam liberadas ou encaminhadas para internação em hospitais.

“Eu não esperava que fosse tanto assim, que os valores fossem tão altos em termos dos problemas”

Conta o médico psiquiatra João Mauricio Castaldelli-Maia, um dos autores do artigo e professor da FMUSP. “Não existe motivação nenhuma para que o sistema de saúde, sendo ele público ou privado, tenha emergências psiquiátricas no país”, lamenta Cintia de Azevedo-Marques Périco, autora principal da pesquisa e professora da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). A falta de incentivo financeiro nessas unidades diante da prevalência dos transtornos mentais no Brasil foi a principal motivação para a produção do artigo.

De 83 unidades para 52

Para identificar as emergências psiquiátricas públicas presentes no Brasil, os pesquisadores tiveram acesso a uma lista da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) das unidades existentes em 2019. “Não existe o registro dentro da Secretaria de Saúde das emergências psiquiátricas, então, foi essa rede construída da ABP que foi dando os nomes delas”, comenta Cintia.

Por meio dessa lista, os pesquisadores chegaram a um total de 83 serviços. Porém, ao contatá-los, notou-se que, desses, 17 já não existiam mais e 14 não eram emergências psiquiátricas, e sim, serviços de emergência geral. No final, ficaram apenas 52 serviços desse tipo no Brasil. “Isso vai ao encontro de um achado americano, essa diminuição dos serviços também acontece nos Estados Unidos”, afirma o pesquisador.

Para avaliar a qualidade dos serviços, as localidades foram contatadas e 29 aceitaram responder o questionário do estudo. “Algumas dessas emergências tinham medo de preencher [o questionário], como se a gente estivesse fazendo uma vistoria”, comenta a professora. Os questionários eram respondidos por alguém que ocupasse um papel de liderança nas unidades. O material era composto por categorias relacionadas à infraestrutura, como disponibilidade, recursos e equipe, métricas, contabilizando, por exemplo, o número de consultas, internações e camas, além dos problemas, com questões acerca dos recursos e da superlotação.

“O questionário é pioneiro, porque não existia um instrumento para se avaliar uma emergência psiquiátrica. As perguntas que foram realizadas aqui podem ser utilizadas para outras pesquisas futuras em outros países”, aponta Castaldelli-Maia.

Da falta de espaço físico adequado à superlotação

“O principal resultado é encontrar, em um país como o nosso, 29 emergências psiquiátricas, foi o que a gente conseguiu como resposta, de fato, como dado científico”, diz Cintia. Outro resultado importante, para ela, foi a falta de um espaço físico adequado: 59% das unidades, por exemplo, declaram a falta de camas de hospital.

Sobre o número reduzido de unidades de emergência psiquiátricas no país, Castaldelli-Maia esclarece que, apesar de poder parecer positivo para alguns, pois evitaria internações excessivas, o que acontece é o contrário. “Esses serviços são muito desejáveis para evitar internações excessivas, eles foram idealizados justamente para isso”, aponta. A estrutura de permanência de até 72 horas fornece subsídios para avaliar se há a necessidade de internação, o que não acontecia antigamente. Isso afasta o serviço psiquiátrico atual dos manicômios, quando muitas pessoas eram internadas ao mesmo tempo e o tratamento não era adequado.

Outro dado mostra que 52% dos serviços apontaram a falta de funcionários, além de psiquiatras. “Qualquer serviço que envolve o cuidado ao portador de transtorno mental necessita de uma equipe multidisciplinar, visto que abrange não só a questão biológica. Então, não é só com o remédio administrado que eu consigo corrigir essa alteração de comportamento”, complementa a professora. E até mesmo a falta de medicamentos na rede de saúde foi identificada em 52% dos locais.

Um espaço inadequado para receber crianças e adolescentes, relatado por 83% das unidades, foi um dos resultados que se destacaram, na avaliação dos pesquisadores. “Quase a totalidade [dos serviços] atende crianças e adolescentes, mas a maioria também tem uma estrutura insuficiente para lidar com esse grupo. Precisaria de um espaço separado para que crianças e adolescentes ficassem, então, é um desafio para os serviços que a gente precisa levar em conta”, acrescenta o pesquisador.

A superlotação de salas de curta permanência foi um problema recorrente, atingindo 59% dos serviços que responderam o questionário. Essa lotação é uma consequência da falta de uma interligação efetiva entre essas unidades e o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), onde há tratamento intensivo de questões relacionadas ao sofrimento psíquico ou a transtornos mentais: em muitos casos não há mais leitos nesses hospitais, então, o paciente volta para a emergência. Assim, as 72 horas máximas que o paciente deveria passar nessas unidades tornam-se insuficientes, o que faz com que esse serviço fique cheio.

O desejo dos pesquisadores é que esses resultados gerem impacto nos serviços psiquiátricos brasileiros. “Nós saímos de ‘nada de informação’ sobre o assunto para ‘alguma informação’. Assim, enquanto psiquiatras associados a nossa entidade representativa da classe, bem como defensores dos portadores de transtornos mentais, devemos brigar de alguma maneira para que isso seja visto com outros olhos. Aliás, essa é a nossa briga cotidiana”, finaliza Cintia. (Com informações da Agência Jornal da USP)

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