Por Melanie Rodacki
Recentemente, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), que este mês está celebrando o Dia Mundial do Diabetes, emitiu um posicionamento revisando os critérios de diagnóstico de diabetes (DM). O objetivo da atualização desses critérios não é criar pânico na população, nem aumentar o número de casos de forma equivocada, mas sim detectar o DM mais precocemente para prevenir suas complicações de forma mais efetiva. Além disso, a mudança dos critérios visa detectar mais cedo o pré-diabetes, condição na qual há uma alteração leve da glicose, porém ainda não suficientemente alta para receber o diagnóstico de DM. Nessa fase de pré-diabetes, é possível realizar medidas preventivas para evitar o aparecimento de DM, como mudanças no estilo de vida que incluem dieta saudável e prática de atividade física.
Os exames que podem ser utilizados para o diagnóstico de DM são a glicemia de jejum (GJ) (8 horas após interrupção de alimentação), a hemoglobina glicada (HbA1c) e o teste de tolerância à glicose por via oral (TTGO).
Tradicionalmente, esse teste inclui medida de GJ e 2 horas após a ingesta de um líquido contendo açúcar. Em março de 2024, a International Diabetes Federation (IDF) emitiu um posicionamento acerca do TTGO, afirmando que a dosagem de glicose uma hora após a sobrecarga de açúcar (TTGO-1h) é superior e mais prática do que a dosagem feita duas horas após a ingesta da glicose por via oral (TTGO-2h). A IDF sugeriu utilizar o TTGO-1h como critério para DM e pré-diabetes, com valores maiores ou iguais a 209 e 155 mg/dL, respectivamente. Para o diagnóstico de DM, o resultado alterado precisa ser confirmado.
No novo posicionamento da SBD, alguns critérios para diagnóstico de DM continuam os já utilizados previamente e incluídos na versão anterior: a GJ maior ou igual a 126 mg/dl, a HbA1c maior ou igual a 6,5%, a glicemia no TTGO- 2h maior ou igual a 200 mg/dl, ou a glicemia ao acaso (em qualquer momento do dia) maior ou igual a 200 mg/dl com sintomas típicos de DM: urinar muito, beber muita água, ter muita fome, perder peso de forma inexplicada, ter desidratação. Se somente um exame estiver alterado, este deve ser repetido para confirmação, exceto para o critério que inclui sintomas típicos de hiperglicemia com medida de glicose maior ou igual a 200 mg/dL. Além destes critérios, foi incluída a possibilidade de diagnosticar o DM com a glicemia no TTGO-1h maior ou igual a 209 mg/dl. A presença de pré-diabetes é detectada pela presença de uma entre as seguintes alterações: GJ entre 100 e 125 mg/dL, glicemia no TTGO-2h entre 140 e 199 mg/dL, glicemia no TTGO-1h entre 155 e 208 mg/dL ou HbA1c entre 5,7 e 6,4%.
De acordo com o novo posicionamento da SBD, o rastreamento para DM tipo 2 (DM2) deve ser feito em toda a população a partir de 35 anos. Nos indivíduos mais jovens, também deve ser realizado caso haja sobrepeso ou obesidade e pelo menos um fator de risco adicional para DM2 e/ou que apresentem risco alto a muito alto, de acordo com um questionário denominado FINDRISC. Os fatores de risco mencionados previamente, para adultos, são história familiar de DM2 em parente de primeiro grau, história de doença cardiovascular, hipertensão arterial, HDL < 35 mg/dl, triglicerídeos > 250 mg/dl, Síndrome de Ovários Policísticos, uma alteração de pele chamada de acantose nigricans e sedentarismo. O rastreamento também é indicado nas pessoas abaixo de 35 anos com pré-diabetes em exame prévio e diabetes gestacional prévio ou recém-nato grande para idade gestacional. Para crianças e adolescentes, o rastreamento é indicado para as pessoas com sobrepeso ou obesidade, idade ≥ 10 anos ou após início de puberdade, com um ou mais dos fatores de risco adicionais: história materna de DM ou diabetes gestacional durante a gestação da criança, história familiar de DM2 em parente de primeiro ou segundo grau, acantose nigricans, hipertensão arterial, dislipidemia ou Síndrome de Ovários Policísticos.
Os exames indicados para iniciar o rastreamento de DM2 são a GJ e a HbA1c. Em locais sem disponibilidade técnica de realização de HbA1c, pode ser realizada apenas a medida de GJ. Caso HbA1c e GJ estejam compatíveis com diagnóstico de diabetes, na mesma amostra de sangue, essa condição já pode ser confirmada. Caso apenas um exame esteja alterado, é necessário confirmação com exame adicional. Caso ambos resultados estejam dentro da faixa de normalidade e houver menos de 3 fatores de risco para DM2 OU FINDRISC com risco baixo a moderado, não é necessário nenhum exame adicional. O TTGO deve ser indicado apenas em alguns casos, como exames indicando pré-diabetes ou exames dentro da normalidade com 3 ou mais fatores de risco OU FINDRISC alto a muito alto. O TTGO-1h deve ser preferido em relação ao TTGO-2h.
O diagnóstico precoce do DM é fundamental para permitir tratamento adequado e evitar complicações da doença. A detecção precoce do pré-diabetes também é importante, pois é uma janela de oportunidade para intensificar ações de prevenção de DM2. Embora algumas dessas ações sejam indicadas para a população geral como um todo, a identificação de um grupo que precisa de uma atenção maior a essas medidas pode permitir ações governamentais adequadas e estratégias mais cuidadosas para prevenção de DM2.
*Melanie Rodacki é médica endocrinologista, faz parte da equipe de Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes.
Créditos: https://medicinasa.com.br/criterios-diagnostico-diabetes/