Uma candidata a vacina para câncer de pâncreas apresentou bons resultados na primeira fase de teste em humanos nos Estados Unidos, segundo estudo conduzido no Centro de Câncer Memorial Sloan Kettering, em Nova York, e apresentado neste domingo (7), durante o encontro anual da Associação Americana para Pesquisa em Câncer, na Califórnia.
A medicação, produzida pela BioNTech, empresa que também desenvolveu o imunizante contra a Covid-19, utiliza a tecnologia RNA mensageiro (mRNA), que, a partir de informações retiradas dos tumores pancreáticos de cada paciente, torna as células de defesa capazes de reconhecer um corpo estranho e o atacar. Cada dose do imunizante é personalizada, com dados genéticos dos próprios portadores da neoplasia, o que torna a resposta do sistema imunológico mais direcionada.
De acordo com Carlos Gil Ferreira, diretor médico da Oncoclínicas&Co. e presidente do Instituto Oncoclínicas, esse tipo de vacina tem como função atuar no combate ao tumor quando a doença já foi diagnosticada – neste caso, o câncer de pâncreas. “Apesar de receber o termo ‘vacina’, diferente dos imunizantes que estamos habituados, esse tipo de medicação não possui função preventiva. O tratamento tem o objetivo de ajudar no fortalecimento do sistema imunológico do paciente que já possui o diagnóstico de câncer, atuando nas células cancerígenas”, explica.
Além disso, o oncologista complementa que as vacinas contra o câncer atuam como um estímulo para o corpo identificar mais facilmente as células cancerígenas e assim, combatê-las. “O medicamento irá fazer com que o sistema imunológico passe a reconhecer o tumor como um agente externo, aplicando uma resposta contra ele”.
Segundo os pesquisadores do Memorial Sloan Kettering, ao longo do estudo um grupo de 16 pacientes, todos com um tipo agressivo de tumor de pâncreas, foi monitorado. Destes, metade obteve resposta imune, em que as células de defesa impediram o avanço do câncer em 18 meses. Já o segundo grupo, que não havia sido imunizado, apresentou recidiva – quando a doença reaparece – em aproximadamente 13 meses.
Três anos depois, a partir de uma nova análise, foi constatado o potencial da vacina em promover uma resposta imune duradoura, visto que aproximadamente 98% das células de defesa capazes de combater o tumor foram produzidas somente após a vacinação, evitando assim a recorrência do câncer de pâncreas.
Próximos passos
Uma vacina que utiliza a tecnologia mRNA funciona introduzindo uma porção do código genético do vírus alvo no corpo do paciente, através de uma molécula de RNA mensageiro. Ela então é absorvida pelo sistema imunológico, que utiliza as informações do RNA para produzir uma proteína do vírus invasor, que ao ser exibida na superfície das células, desencadeia uma resposta imune quando é reconhecida como uma ameaça, atuando assim sobre o tumor pancreático.
Os resultados atuais apresentados pelo estudo de desenvolvimento da vacina para câncer de pâncreas, iniciado em dezembro de 2019, se referem a testes clínicos de fase 1. A partir da apresentação dos resultados promissores, os pesquisadores do Memorial Sloan Kettering já deram início à fase 2 de análise, que conta agora com 260 pacientes.
Vacinas de RNA na luta contra o câncer
Amplamente comentadas por seu uso contra a covid-19, os imunizantes desenvolvidos à base de RNA mensageiro (mRNA) foram os primeiros com base nessa moderna tecnologia a terem seu uso autorizado em humanos e receberem liberação para comercialização. E a evolução que elas representam pode trazer respostas importantes para o tratamento de diferentes tipos de tumores malignos.
Em linhas gerais, no caso das vacinas para o novo coronavírus, esse tipo de terapia consiste na criação em laboratório de um código genético, capaz de levar à produção de proteínas que simulam as do vírus, provocando uma resposta do sistema de defesa do organismo sem, contudo, provocar uma infecção de verdade.
Segundo Carlos Gil, a lógica desse processo de uso de mRNA para a covid-19 sinaliza boas perspectivas para toda uma nova geração de terapias personalizadas, em especial contra o câncer. Não à toa, as farmacêuticas responsáveis por desenvolver a tecnologia mRNA para a SARS-CoV-2 avaliam formas de traduzir essas conquistas científicas para geração de tratamentos oncológicos avançados.
“Sob a ótica da ciência, as vacinas com um código genético de RNA criado em laboratório de fato acenam para um futuro com boas alternativas para tratar o câncer. Neste caso, contudo, há um fator essencial de diferenciação que não pode ser desconsiderado quando pensamos na adoção dessa solução na oncologia: enquanto o processo da vacina de mRNA contra a covid-19 permite que ela seja adotada de forma massiva para toda a população de maneira preventiva, para o câncer a tecnologia não seria capaz de evitar o surgimento de tumores, mas sim favorecer a geração de medicações personalizadas para pessoas já diagnosticadas com a doença, ou seja, adaptada de forma altamente individualizada a partir das especificidades do genoma das células cancerosas de cada paciente”, aponta o diretor médico da Oncoclínicas.
Por enquanto, as linhas em estudo mais avançadas até o momento analisam o uso dessas terapias gênicas para cânceres de pele melanoma, colorretal e alguns casos de cabeça e pescoço relacionados ao vírus HPV (papilomavírus humano). Há ainda ensaios clínicos voltados a tumores decorrentes de mutações frequentes no gene KRAS, especialmente no pâncreas, pulmão e colorretal.
“De forma geral, as perspectivas para os próximos anos são muito boas, com novas terapias, novas formas de trabalhar e avanços importantes já sendo vistos. Entramos em um período de otimismo, com aprendizados importantes adquiridos durante a pandemia que trazem contribuições para a ciência e a medicina como um todo. Esse é o lado positivo, de maneira geral e para todos nós”, finaliza Carlos Gil.