É na primeira infância que a criança começa a se desenvolver e podemos observar grandes picos de desenvolvimento no sistema motor e cognitivo, principalmente nos primeiros dias de vida, onde acontece o amadurecimento das estruturas cerebrais. Por falta de conhecimento, muitos pais acreditam que algumas atitudes podem ser inofensivas nessa fase e utilizam recursos para entreter, acalmar e distrair a criança. Um dos principais recursos do mundo moderno são as telas, que oferecem inúmeras programações com a promessa de ajudá-los nesse processo, porém, podem ser extremamente prejudiciais para a criança nesse período, inclusive no processo de desenvolvimento da fala e da linguagem.
Boa parte dos conhecimentos adquiridos acontece até os dois anos, quando a criança está tomando consciência de suas habilidades. Por essa razão, a Organização Mundial da Saúde (OMS), recomenda que crianças até dois anos não tenham contato com telas e televisores, uma vez que elas podem influenciar no atraso do desenvolvimento de diversas habilidades, incluindo a linguagem e até mesmo as sociais da criança.
De acordo com a fonoaudióloga doutora em fala e linguagem pela USP e University of South Florida (USF – EUA), Camilla Guarnieri, o uso de telas afeta diretamente a criança na interação com outros membros da família e pode orientar de forma equivocada a forma de comunicação, uso das palavras e desenvolvimento da linguagem. “Muitos pais chegam ao consultório com queixas sobre atraso na fala, dificuldades de comunicação, mau uso da linguagem, entre outros desafios, associando a transtornos ou patologias. Porém, quando vamos investigar o estilo de vida da criança, entendemos os hábitos familiares estão associados ao mau uso das telas, influenciando diretamente nos costumes desenvolvidos” – explica.
Segundo a especialista, os meios mais utilizados e que permitem que a criança exceda os limites, influenciando no seu desenvolvimento cognitivo, são celulares, tabletes, televisão, jogos e, para os mais crescidinhos, as redes sociais, que, além de influenciar em todo o desenvolvimento, aumentam o risco de problemas emocionais como ansiedade e depressão, que também podem desencadear reações severas no desenvolvimento de alguns dos sentidos.
A exposição precoce às telas altera o processo natural de aprendizagem e desenvolvimento da criança, barrando processos neurais que influenciam em diversas capacidades, principalmente concentração e interação social, fatores essenciais para a evolução apropriada da fala e linguagem. “Alguns dos problemas mais comuns apresentados pelo uso excessivo são: uso de vocabulário restrito, brincar restrito, principalmente o simbiótico (brincadeiras de faz de conta), dificuldade em se manter na mesma atividade quando há dificuldade, interferindo na aquisição de novas habilidades, dificuldades dialógicas, etc; e muitos deles causam impacto grande na vida dessas crianças e de suas famílias” – alerta.
Nem sempre é possível dedicar toda atenção que a criança precisa e essas novas tecnologias se tornaram ferramentas essenciais para suprir essa participação dos pais. Nem tudo é nocivo, podem haver alguns ganhos, mas não se comparam com as perdas. “Se não é possível controlar 100% o acesso, há formas de driblar o conteúdo consumido, porém, requer uma participação ativa dos pais e profissionais para eleger conteúdos que contribuam de forma positiva no processo de aprendizagem” – finaliza a especialista.
Para orientar os pais e responsáveis, a OMS (Organização Mundial da Saúde) disponibiliza uma tabela com recomendações por idade, com as seguintes orientações: crianças de 0 a 2 anos de idade não devem ser expostas a telas devido ao período de desenvolvimento neural e cognitivo, já crianças de 2 a 5 anos devem ser limitadas a aproximadamente uma hora por dia. A partir dos 05 anos, o acesso dever ser de duas horas e com monitoramento de conteúdo, devido a influência emocional que alguns conteúdos podem oferecer.
Fga. Dra. Camilla Guarnieri (CRFa 2 – 18977): Fonoaudióloga graduada pela USP, mestre pelo Programa de Pós-graduação em Fonoaudiologia da pela USP com a dissertação defendida na linha de pesquisa “Processos e Distúrbios da Linguagem” intitulada “Programa de Estimulação para Crianças com Atraso de Linguagem” e doutora pelo Programa de Pós-graduação em Fonoaudiologia da pela USP – Bauru com a tese defendida na linha de pesquisa “Telessaúde e Teleducação” intitulada “Curso online para treinamento de Fonoaudiólogos na intervenção em linguagem infantil”. Durante o doutorado realizou estágio pesquisa no exterior na University of South Florida (USF – EUA). Já organizou livro, escreveu capítulos de livros, artigos e materiais para a avaliação e intervenção de fala e linguagem em crianças. Já foi coordenadora pedagógica e professora de diversos cursos e aprimoramentos para a formação de fonoaudiológos na atuação com a fala e a linguagem em crianças. É a fonoaudióloga clínica responsável pelas áreas de fala e linguagem na Clínica Care Materno Infantil.