Por Simone Pellegrino de Oliveira
Atualmente a descriminalização do porte de Drogas tem sido tema de debate tanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) (como uma questão de saúde pública) quanto por outros segmentos com foco no uso terapêutico da planta cannabis. Dentro deste universo, existem questionamentos e dúvidas que confundem os dois assuntos: A cannabis serve para tudo? É um elixir milagroso? Tem 1001 utilidades? A descriminalização vai beneficiar o acesso ao produto medicinal? A resposta é simples: NÃO!
Do ponto de vista da descriminalização do porte de drogas, que objetiva a suspensão de um artigo da Lei Antidrogas (Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006) que proíbe o armazenamento, plantio e transporte de drogas para uso pessoal, em nada impacta no uso terapêutico da planta cannabis, pois não existe relação direta entre o porte da substância ilícita para fins recreativos com os produtos de cannabis, os quais estão devidamente regulamentados pela ANVISA desde o ano de 2015 por meio da Resolução RDC nº 17, a qual define os critérios para a importação excepcional destes produtos com fins medicinais.
Vale citar que a planta cannabis também vem sendo utilizada em rituais xamânicos que atribui seus efeitos ‘terapêuticos’ à liturgia de um ritual e como complemento à alimentação de pessoas saudáveis através dos suplementos alimentares, os quais não são destinados à cura ou tratamento de nenhuma doença ou condição de saúde.
Diante deste cenário, o objetivo aqui não é condenar nenhuma destas práticas. É diferenciá-las das aplicações terapêuticas da planta cannabis, as quais devem estar sempre apoiadas em estudos e dados técnico-científicos capazes de evidenciar sua contribuição no atendimento às necessidades não atendidas de pessoas que possuem condições de saúde específicas.
Os produtos de cannabis, amplamente conhecidos apenas como ‘Canabidiol’, objetivam contribuir como alternativa terapêutica diante de quadros refratários, como a epilepsia, por exemplo, onde as alternativas terapêuticas tradicionais (medicamentos convencionais) não respondem o suficiente para uma melhor qualidade de vida do paciente. Assim, seu uso por pacientes com doenças como Parkinson, Alzheimer, Enxaqueca Crônica, Ansiedade, Transtorno do Espectro Autista (TEA), entre tantas outras citadas na literatura científica, pode oferecer benefícios para o tratamento de sintomas específicos, de acordo com a indicação e justificativa do médico assistente.
Para garantir uma terapia de sucesso, os produtos de cannabis devem oferecer segurança e qualidade através de sua procedência (laboratório e cadeia de suprimentos certificados), formulação em grau farmacêutico, concentração definida e constante a cada lote, além de teores de canabinoides ativos em quantidade suficiente para alcançar os efeitos terapêuticos desejados – estudos científicos sugerem maior benefício quando utilizados produtos com teores acima de 50mg/mL.
A ideia do produto de cannabis ‘servir para tudo’ e da descriminalização das drogas impactar no acesso aos produtos medicinais é um engano, pois compromete sua aplicabilidade e confiança terapêuticos, tanto por parte do médico como pelo paciente. Quando indicado de forma inadequada, por se esperar uma resposta que pode não chegar, é possível desenvolver a crença de que o produto ‘não funciona’ ou ‘não serve para nada’, bem diferente daquela ideia inicial de que serve para tudo ou tem 1001 utilidades.
*Simone Pellegrino de Oliveira é Farmacêutica e Mestre em Saúde Pública.