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Estratégias que resultam em redução de custos em organizações de saúde: por que ainda não são uma realidade no Brasil?

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Sistemas de saúde e suas organizações são pauta prioritária em qualquer país em função da responsabilidade social que exercem e do impacto financeiro que representam, que se aproxima dos 8 trilhões de dólares no mundo havendo expectativa de dobrar esse montante até 2050. Ao mesmo tempo que o investimento no setor tem essa grandiosidade, os índices de saúde populacional não necessariamente têm melhorado. O envelhecimento da população, a adoção de hábitos não saudáveis de vida e o aumento da capacidade tecnológica com impacto na sobrevida de pacientes em diversas condições de saúde são fatores que contribuem com a expressiva carga financeira do sistema. Se fossem somente eles, talvez haveria maior equilíbrio nas contas e entidades que atuam no mercado da saúde, mas entre os vilões do setor está a prática de modelos de negócio entre as organizações prestadoras, pagadoras e provedoras de tecnologia não centradas no enfoque principal, a saúde dos indivíduos, e sim, nos meios, que são os serviços e tecnologias entregues

Esse desalinhamento entre propósito de atuação no meio da saúde e modelos de financiamento tem impactado as empresas brasileiras do setor. No relatório de desempenho das empresas, elaborado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de 2023, foi apontado que em média a taxa de sinistralidade dos serviços médico-hospitalares no primeiro semestre do mesmo ano foi de 89%, 5 pontos percentuais maiores do que a taxa previamente à pandemia da COVID-19, contribuindo para que esta categoria de empresas some um prejuízo de 4.3 bilhões no semestre.  Isso porque, no modelo majoritariamente utilizado no sistema de saúde brasileiro, o pagamento sobre um serviço de saúde é feito pela entrega dele, independentemente da condição de saúde do indivíduo, da pertinência da realização do serviço ou do resultado gerado. Assim, imediatamente quando há aumento de sinistralidade, há maiores despesas no sistema, mas nada podemos afirmar sobre o estado de saúde geral da população ou se os serviços estão sendo utilizados de forma adequada e eficaz apenas com essa métrica.

O panorama internacional e local transparece a necessidade por adoção de estratégias intraorganizacionais e políticas no sistema que corroborem para que o recurso financeiro disponível seja utilizado de forma eficiente e voltado à melhoria da saúde populacional. Esta constatação está entre as conclusões de fóruns de política de saúde de diversas entidades internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, o Fórum Econômico Mundial e editoriais de revistas de alto impacto científico, como o Lancet, JAMA e New England Journal of Medicine (NEJM). Ainda em dezembro do último ano, o Lancet documentou as recomendações de especialistas sobre políticas de renumeração que garantem acesso universal à saúde, enfatizando a necessidade de serem adotados mecanismos que envolvam recursos públicos e privados e que proporcionem acesso ao sistema de saúde de forma mais homogênea, independentemente da renda média dos países.

Cases de sucesso para redução de custos

Com o impulso de todos os lados sobre a necessidade de fazer diferente, a documentação de estratégias bem-sucedidas também passou a ser mais frequente. No final de 2023, o Center of Medicare and Medicaid Services (CMS) nos Estados Unidos, por exemplo, divulgou o histórico de mais de 50 modelos de pagamento com alguma medida de resultado associado que já foram testados e implementados por eles. Entre os aprendizados está a adoção de pacotes por ciclos de cuidado bem estabelecidos que pressupõem bonificações aos profissionais mediante o alcance de melhores resultados de saúde ou redução de custos sem piora no estado de saúde. Em função da menor variabilidade, facilidade de adesão de centros e profissionais e o elevado volume de procedimentos e de montante financeiro associado, as linhas de cuidado ortopédicas concentram o maior volume dos cases de sucesso.

A nível hospitalar, a padronização de aquisição de implantes e próteses ortopédicas está entre as estratégias com mais evidências de resultado em redução de custos. Nesse tipo de iniciativa, são medidos os custos de aquisição de próteses para uma mesma cirurgia por cirurgião e hospital, compartilhados e analisados os resultados clínicos entre os profissionais de saúde envolvidos e, se equivalentes, são adotadas políticas de aquisição de marcas com melhores razões de custo e benefício, seguidas de renegociações junto aos fornecedores para a garantia de melhores preços dos itens de consumo.

Ao serem revisados 16 artigos científicos com cases de estratégias que resultaram em economias de custos a hospitais, 6 estudos implementaram esse tipo de estratégia e relataram reduções médias de custos de 23-25% em cirurgias de quadril e joelho, respectivamente, e estimativas de aproximadamente 1 milhão de dólares em economia anual em artroplastias de ombro em quatro centros no nordeste dos Estados Unidos. A identificação da padronização de preços como uma estratégia crucial de redução de custos também indica a importância de envolver todas as partes interessadas na implementação de tais estratégias. Não é viável padronizar preços ou pacotes com incentivos financeiros sem a confiança e um acordo conciso com pelo menos, pagadores, fornecedores, prestadores e a indústria.

Por que não vemos essas estratégias sendo implementadas no Brasil?

Retomando o tópico do formato de modelo de negócio com pagamento em função da entrega de serviços, ao ser repassado pelo prestador o custo de materiais à fonte pagadora, o estímulo à economia em aquisição de materiais e medicamentos não existe: pelo anglo do gestor financeiro hospitalar, o custo de aquisição, às vezes acrescido de uma margem, é repassado ao pagador – que não possui qualquer poder de negociação na compra do insumo junto ao fornecedor – e que a cada ano tem sido mais desafiado para conseguir equilibrar as contas, dado à alta sinistralidade. Como consequência, se ao longo da cadeia não estão sendo alcançadas formas de redução de custos e despesas, a saída para o equilíbrio financeiro termina em aumento de mensalidades de planos de saúde, impactando diretamente a renda média das famílias brasileiras.

No cenário populoso do Brasil, o alto volume em qualquer linha de cuidado, inerente à característica populacional, poderia ser melhor utilizado como elemento chave de atração de tecnologias, investimentos e negociação de preços condizentes com a economia local. Porém, para isso, os modelos de negócio predominantes no mercado precisam ser centrados nos indivíduos e suas condições de saúde e não nos serviços entregues. Mudar a história de tendência contínua de aumento na mensalidade dos planos de saúde passa por repensar o sistema e redefinir modelos de negócio para que naturalmente estimulem a busca pela eficiência e pelos melhores resultados em cada linha de cuidado. Ao ser pensado o sistema de saúde de forma direcionada à melhoria de saúde populacional, independentemente da origem do financiamento, e com modelos de negócio que naturalmente proporcionem isso, se abrem possibilidades de reconstrução da sustentabilidade econômica dos serviços de saúde.

Ana Paula Beck da Silva Etges, cofundadora da PEV Consultoria em Saúde. É engenheira de Produção pela PUCRS, mestre e doutora em engenheira de produção pela UFRGS, em colaboração com Stanford Medicine, concluiu seu estágio de pós-doutorado em Epidemiologia na UFRGS, em colaboração com o Brigham Women’s Hospital, frequentou o VBHC Seminary na Harvard Business School (2021) e finalizou o curso de pós graduação Effective Writing Certification Program na Harvard Medical School em 2023. Nos últimos cinco anos, publicou 80 artigos científicos em revistas indexadas, tendo índice ‘h’ 17. Além de ser sócia fundadora da PEV Consultoria em Saúde, atua como Pesquisadora Sênior no Instituto Nacional de Avaliação de Tecnologias em Saúde (IATS-CNPq) e na Avant-garde Health (EUA), e  como Professora no Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFRGS e no MBA de Gestão Estratégica em Saúde do Insper. Em as suas afiliações, Ana já realizou dezenas de projetos de pesquisa e consultoria em custos e gestão estratégica de saúde no Brasil, Portugal e nos EUA. Nessas inciativas, ela está continuamente pesquisando e trabalhando para melhorar a eficiência dos sistemas de saúde.

Carisi Anne Polanczyk, cofundadora da PEV Consultoria em Saúde. É Médica Cardiologista pela UFRGS, com mestrado e doutorado em Cardiologia e Ciências Cardiovasculares pela mesma instituição e em colaboração com a Harvard Medical School, além de membro das Sociedades Brasileira e Gaúcha de Cardiologia. Mais recentemente, passou um semestre como pesquisadora visitante no Brigham Women’s Hospital (USA) e frequentou o VBHC Seminary na Harvard Business School. Também é Professora Associada de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pesquisadora sênior da Agência Nacional do Brasil (CNPq), chefe do serviço de Cardiologia do Hospital Moinhos de Vento e médica e preceptora no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Atua ainda como coordenadora do Instituto de Avaliação de Tecnologias em Saúde (IATS/CNPq) e cofundadora da PEV Consultoria em Saúde, onde realiza projetos com embasamento científico para aumentar eficiência e valor para o sistema de saúde. Nos últimos cinco anos, Carisi publicou 83 artigos científicos em revistas indexadas, tendo índice ‘h’ 43.

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