Por Mario Moreira
Muito se fala do aumento de doenças respiratórias em épocas de tempo seco e temperaturas mais baixas, mas quem sofre de uma enfermidade respiratória crônica, que, como o próprio termo se autoexplica, é permanente, costuma enfrentar uma complexa e árdua jornada em busca de diagnóstico e tratamento, independentemente da sazonalidade.
Sete em cada 10 brasileiros dependem do SUS para se tratar. E as doenças respiratórias crônicas, em especial a Asma e a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), são motivos frequentes de procura por atendimento e internações.
As doenças do aparelho respiratório (CID-10) foram responsáveis por 148.773 óbitos em 2020, ficando acima das mortes por causas externas (acidentes e violências) e abaixo das doenças do aparelho circulatório, doenças infecto-parasitárias e neoplasias, segundo informações do Sistema de Informação de Mortalidade do DATASUS.
A DPOC é uma enfermidade que obstrui as vias aéreas, dificultando a respiração. Incidente, em sua maioria, em pessoas acima dos 50 anos, a doença acomete 6 milhões de brasileiros e está associada, principalmente, à exposição ao tabagismo, além do contato com a poluição e gases tóxicos, como a fumaça do fogão a lenha e fatores ambientais.
Muitos pacientes acreditam que os sintomas da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, como a falta de ar, o pigarro e a tosse crônica são consequências do tabagismo e deixam de procurar ajuda médica, relacionando essas manifestações ao cigarro ou ao próprio envelhecimento.
Na Associação Crônicos do Dia a Dia, fazemos um trabalho de conscientização para levar informações aos pacientes de todo o país, e uma queixa comum dessas pessoas refere-se a problemas na distribuição dos medicamentos pelas Secretarias de Saúde, como o atraso no recebimento das terapias.
Um avanço importante no Brasil foi a incorporação do novo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de 2021 para as doenças respiratórias, que incluiu diferentes classes de broncodilatadores com administração em um único dispositivo, a chamada terapia fechada, ampliando as opções terapêuticas oferecidas gratuitamente pelo SUS e facilitando a adesão ao tratamento. Mas o excesso de burocracia ainda é um desafio para o acesso a estas terapias.
A abordagem a essas doenças pelos serviços de saúde é ainda restrita ao tratamento sintomático das exacerbações, gerando internações desnecessárias, alta morbimortalidade, excesso de encaminhamentos para os especialistas, aumento nas visitas aos serviços de urgência e emergência, bem como absenteísmo no trabalho e na escola, resultando em alto custo social e econômico. Outros problemas ainda enfrentados são a detecção tardia, o tratamento inadequado, a falta de fluxo de referência e contrarreferência que dificultam o monitoramento e o acompanhamento sistemático pelas equipes de saúde.
Há 20 anos, de 100 dólares gastos com saúde, 70% do montante era de responsabilidade da União, e 30% dos Estados e Municípios. Hoje de cada 100 dólares investidos, 60% são de Estados e Municípios, e 40% da União. A conta não fecha, porque quem arrecada mais – no caso o Governo Federal –, menos contribui. Pela nova Lei Complementar nº 141, cada nível de governo passa a ter uma alocação específica dos recursos para a saúde, sendo que os Municípios devem investir 15% no setor, os Estados, 12%, e o Governo Federal passa a ter uma porcentagem variável, ajustada anualmente conforme a correção monetária. Não há obrigação em percentual fixo de contribuição do governo federal.
Manter esse modelo de financiamento não corrobora com as necessidades dos pacientes. Acredito que a definição do custo real de todas as enfermidades seja uma ação complexa por parte das autoridades, para, a partir daí, estabelecer um redimensionamento de gastos, tratando cada uma por linha de cuidado. Somado a isso, precisamos de protocolos mais adequados, da divisão das corresponsabilidades entre União, Estados e Municípios e investir em campanhas de conscientização e prevenção.
Os pacientes não podem esperar pelo tratamento em razão das complicações de seus quadros de saúde, por isso o tempo é outro empecilho. Existe também o fato de a Secretaria de Saúde fazer a compra das medicações, mas há outros órgãos que controlam esse processo, gerando gargalos. E acreditem: a legislação aplicável à aquisição de medicamentos é a mesma para a obtenção de insumos para obras públicas.
Não é certo também que o paciente dependa de uma ordem judicial para obter tratamento. Além dos gastos, o tempo de aprovação segue um único critério, seja para pacientes em estado crítico ou não. O quadro de remédios especializados não é o mesmo dos hospitalares, gerando disparidade no acesso e dificuldades posteriores à manutenção do tratamento. É preciso incluir mecanismos para que o paciente crítico seja priorizado, bem como evite a ação judicial gerando cuidado qualificado ao paciente.
Enfim, precisamos repensar a forma como encaramos a saúde, aperfeiçoando a visão de gastos orçamentários para investimento no setor. A situação só irá melhorar com uma proposta de política pública humanizada, sendo a saúde o maior bem de todos os cidadãos. Como sociedade, precisamos nos unir para gerarmos discussões e mudanças imediatas. É necessário pressão da sociedade para que o maior programa de inclusão social do mundo seja devidamente valorizado e financiado.
*Mario Moreira é sanitarista e consultor da Associação Crônicos do Dia a Dia [CDD].