Por Franco Pallamolla, Paulo Henrique Fraccaro e Ruy Baumer
A Covid-19 foi caracterizada como uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020. Logo, começaram buscas frenéticas no mundo todo por máscaras, luvas, gorros, óculos, entre outros insumos hospitalares. A demanda por esses produtos explodiu. Por questões econômicas, os principais fabricantes tinham concentrado suas operações na China e na Índia. Ou seja, poucos países produziam o que muitos precisavam.
Essa circunstância mostrou quão estratégica é a indústria da saúde para uma nação. Revelou também como são elevados os riscos de deixar do outro lado do mundo toda a produção de insumos que, ao fim, podem ser a diferença entre a vida e a morte. Depois disso, boa parte dos países desenvolvidos e dos emergentes mais dinâmicos criaram políticas industriais para o setor e voltaram a incentivar as fabricações locais, mesmo considerando um custo maior, quando comparado à realidade de China e Índia.
O Brasil, porém, segue na mesma toada de antes. Mais de 50% dos dispositivos médicos consumidos pelo segmento da saúde no país são importados. Embora o setor seja uma força que corresponde a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional – e com potencial para ser ainda maior, dado o envelhecimento da população –, convive com um déficit comercial de US$ 20 bilhões em importações (2021).
A independência em relação ao exterior é mandatória, uma vez que a necessidade de se consumir produtos importados pode criar desafios para o sistema de saúde brasileiro, não apenas durante crises globais, mas também em períodos de instabilidade econômica. Em contraste, uma indústria local robusta é capaz de assegurar o fornecimento constante e seguro de dispositivos médicos, independentemente das condições econômicas internas ou externas.
É também uma área que gera muitos empregos e de atividade industrial de alta densidade em tecnologia, com muita produção e inovação. Se o Brasil ficar para trás, as assimetrias tecnológicas tendem a aumentar, com impacto tanto na economia e na indústria, quanto para a vulnerabilidade em saúde.
Por esses fatores, o Complexo Econômico-Industrial da Saúde é uma cadeia crítica que deve ser prioridade em uma política de desenvolvimento nacional. Uma indústria de dispositivos médicos consolidada e incentivada, a exemplo do que ocorre com a agroindústria, tem potencial para gerar um ciclo econômico virtuoso. Esse ciclo se traduz em inovação tecnológica, geração de empregos, aumento das exportações e uma parceria efetiva com o sistema nacional de saúde.
Neste contexto, o debate sobre a redução da carga tributária ou a possível isenção é recorrente. De fato, é essencial reavaliar a abordagem atual em relação à tributação dessa indústria, uma vez que a maioria dos hospitais, sejam eles públicos ou filantrópicos, é imune a impostos quando realizam importações. Por que não dar o mesmo tratamento à indústria brasileira?
Urge reconhecer os benefícios que uma indústria de dispositivos médicos fortalecida poderia trazer ao Brasil: crescimento deste setor industrial, maior arrecadação de impostos em toda cadeia de fornecimento, expansão das exportações e incremento dos lucros – que também seriam tributados.
No entanto, ficamos presos em uma discussão estéril de perda de uma receita tributária que, afinal, sequer existe. O resultado é queda da produção nacional ano após ano enquanto as importações e a transferência de capital para o exterior seguem crescendo.
Por isso, é preciso redirecionar este debate e pensar a longo prazo. Além de implementar a isonomia tributária, regras claras e duradoras para o Complexo Econômico-Industrial da Saúde precisam ser criadas e fortalecidas, além de investimentos em pesquisas que possam gerar inovação. Só assim será possível reconstruir o caminho para o sucesso deste setor.
* Franco Pallamolla é Vice-Presidente de Relações Institucionais da ABIMO – Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos
*Paulo Henrique Fraccaro é CEO da ABIMO – Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos
*Ruy Baumer, presidente do SINAEMO e diretor titular do ComSaude