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Índices de qualidade em saúde: a importância de medir

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Por Leonardo Vedolin

Variabilidade causa desperdício. Qualidade e uniformidade, por outro lado, geram prosperidade. Com estas premissas e uma vida dedicada à gestão da qualidade, William Edwards Deming transformou o mundo. Formado em engenharia elétrica pela Universidade de Wyoming e doutor em matemática pela Universidade de Yale, Deming sistematizou um método de melhoria contínua sumarizados em quatro elementos chaves e 14 pontos de gestão que vão além da exclusão das falhas, dando a todos os atores da cadeia produtiva uma visão ampliada do todo e fomentando o “orgulho do trabalho bem-feito”, do “chão de fábrica” às mais altas cadeias de comando¹,².

Os índices estruturados por Deming são utilizados até hoje e foram alicerces da revolução tecnológica pós-segunda guerra mundial, transformando o parque industrial de países como o Japão. Deste modo, não faria sentido que essa bem-sucedida gestão de qualidade tivesse sido aplicada também à saúde, uma área que impacta diretamente a nossa vida? Apesar de os métodos do estatístico serem utilizados em fábricas desde os anos 1950, na saúde o controle de qualidade passou a ser discutido somente a partir de 1990. E, apesar do tema ter ganhado mais evidência nos últimos anos, de uma forma geral, o monitoramento de qualidade na medicina ainda tem um vasto campo para desenvolvimento no Brasil.

Como gestor de saúde integrada, esse é um tema que tenho perseguido há algum tempo e conheci iniciativas louváveis no exterior. Um exemplo é o da Mayo Clinic, renomada rede de saúde nos Estados Unidos que há décadas sistematiza dados e criou um índice para aprimorar a eficácia e desfecho em saúde. Não por acaso, há anos é a instituição de saúde reconhecida como a melhor dos EUA.

Esse monitoramento de excelência médica, de modo consistente e sistemático, gera dados valiosos sobre práticas e entregas que impactam na governança e transformam a lógica assistencial. Saber com qual frequência um hospital ou laboratório tem um evento adverso grave, infecções, reinternações e necessidade de recoleta de exames, para citar alguns parâmetros, cria um panorama importante do atendimento e oferece a oportunidade contínua de aprimoramento clínico, melhoria da fluidez da jornada e facilitação no enfrentamento de problemas futuros.

Essa disponibilidade de dados interrelacionados, aliás, é fundamental para a tomada de decisões. Os modelos preditivos criam curvas de tendências essenciais para o estabelecimento de padrões e para uma gestão adequada. Em outras palavras, os índices que medem a experiência do paciente também contribuem para a prevenção e a predição na saúde, tornando o setor mais eficiente e, consequentemente, mais acessível para um maior número de pessoas.

O modelo criado por Deming considera a não competição e a estruturação da empresa como uma grande equipe, guiada por um mesmo propósito e alinhada a um objetivo comum, de forma a eliminar divisões e conflitos – e, na saúde, esse conceito se torna ainda mais imperativo. A gestão da medicina guiada por índices, quando bem executada, valoriza pilares que devem ser priorizados por toda a cadeia de cuidado, como segurança, efetividade, assistência ao paciente, oportunidade, eficiência e equidade. Esses são pilares que devem ser priorizados por toda a cadeia de cuidado, e não só pelo time assistencial. Ações isoladas são falhas que não reforçam os objetivos comuns da instituição, aumentando a possibilidade de erros. Nesse sentido, é importante frisar o papel de auditorias externas na validação da qualidade dos dados obtidos, o que diminui a margem de erro e incrementa o capital reputacional das instituições de saúde.

Aos 89 anos de idade, Deming precisou ser atendido em um hospital. Impressionado com as oportunidades de melhoria, escreveu um artigo destacando sua jornada³. Trinta anos após a sua morte, parece óbvio que a criação e aplicação de índices tangibiliza a entrega de uma saúde segura, efetiva e centrada no paciente. Essas análises nos ajudam a oferecer um cuidado pertinente, com intervenções e procedimentos necessários. Quando o que está em jogo não é apenas a otimização de recursos, a produtividade, ou satisfação do cliente, mas a vida de seres humanos, o trabalho iniciado por Deming não é apenas um preciosismo. É fundamental.

Referências
¹Deming, W. Edwards. Saia Da Crise – As 14 Liçõees Definitivas Para Controle De Qualidade. 2003, Ed. Futura. Pags 31 a 45.
²Best et al. Qual Saf Health Care 2005;14:310–312
³https://deming.org/some-notes-on-management-in-a-hospital-by-w-edwards-deming/


*Leonardo Vedolin é Diretor-geral médico e de cuidados integrados da Dasa.

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Transplante de Fígado de Porco em Humano Marca Avanço Inédito na Medicina Global

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Em um marco histórico para a medicina e a ciência translacional, uma equipe de cirurgiões chineses realizou, pela primeira vez, o transplante de um fígado de porco geneticamente modificado em um paciente humano com morte cerebral. O procedimento, conduzido por médicos da Quarta Universidade Médica Militar de Xian, foi publicado nesta semana na revista Nature, uma das mais prestigiadas do meio científico.

O transplante representa um avanço significativo nas pesquisas sobre xenotransplantes — o uso de órgãos de animais em humanos —, campo que tem ganhado notoriedade frente à escassez crônica de doações de órgãos em todo o mundo. Porcos têm se destacado como os animais mais compatíveis para esse tipo de estudo, e nos últimos anos, já foram utilizados com sucesso em transplantes de rins e corações nos Estados Unidos. No entanto, o fígado, por suas múltiplas funções complexas, ainda era considerado o órgão mais desafiador de se transplantar.

O Experimento e seus Resultados

O fígado utilizado no procedimento foi retirado de um “miniporco” com seis genes editados para torná-lo mais compatível com o corpo humano. O paciente, que estava em morte cerebral, manteve o próprio fígado e recebeu o órgão suíno como um “fígado auxiliar”, técnica que funciona como ponte para pacientes à espera de um transplante definitivo.

Durante os dez dias em que o fígado de porco permaneceu no corpo do paciente, os médicos monitoraram indicadores essenciais como produção de bile, secreção de albumina e resposta imunológica. Segundo o coautor do estudo, Dr. Lin Wang, o órgão funcionou de maneira satisfatória, produzindo bile continuamente e secretando proteínas vitais. Apesar do desempenho estar aquém de um fígado humano em plena atividade, os resultados são considerados extremamente promissores.

Implicações Futuras e Cautela Ética

O estudo foi encerrado após o período de observação, conforme desejo da família do paciente, respeitando todas as diretrizes éticas. A expectativa é de que, futuramente, o uso de fígados suínos modificados possa servir como solução temporária para pacientes com doenças hepáticas graves, ajudando a mantê-los vivos até que um órgão humano esteja disponível.

Pesquisadores internacionais, como o professor Peter Friend, da Universidade de Oxford, destacaram o avanço como “valioso e impressionante”, embora ainda não o vejam como um substituto imediato para transplantes convencionais. Segundo ele, o estudo abre caminho para um futuro em que fígados de porcos geneticamente modificados possam sustentar pacientes com insuficiência hepática grave, especialmente nos momentos críticos.

Colaboração Internacional e Próximos Passos

A equipe chinesa reconheceu a importância das colaborações internacionais, especialmente com pesquisadores dos Estados Unidos. Em experiências anteriores, cientistas americanos conectaram fígados de porco a pacientes com morte cerebral, mas sem realizar o implante. A iniciativa chinesa, portanto, marca um avanço concreto na experimentação clínica do xenotransplante hepático.

Os próximos passos incluirão testes com pacientes vivos, em estudos clínicos mais longos e rigorosos. A esperança é que, com aperfeiçoamentos genéticos adicionais, esses órgãos possam substituir integralmente fígados humanos, salvando milhares de vidas que hoje se perdem na fila de espera por um transplante.

Um Novo Capítulo para a Medicina

A realização do primeiro transplante de fígado suíno em humano é mais do que uma conquista técnica. Trata-se de uma abertura concreta para uma nova era na medicina, onde a biotecnologia, a engenharia genética e a colaboração global podem transformar radicalmente a forma como tratamos falências orgânicas e salvamos vidas.

Diante do sucesso parcial do experimento e da urgência por soluções frente à escassez de órgãos, os olhos do mundo estão agora voltados para a China e os próximos desdobramentos dessa pesquisa. O futuro da medicina de transplantes pode estar mais próximo dos porcos do que jamais imaginamos.

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Transformação Digital na Saúde Pública: O Avanço do PA Saúde Digital no Brasil

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O avanço da transformação digital no setor público brasileiro ganha destaque com o Plano de Ação de Transformação Digital para a Saúde (PA Saúde Digital), uma iniciativa do Ministério da Saúde liderada pelo ministro Alexandre Padilha. O plano tem como principal objetivo modernizar, integrar e otimizar os serviços de saúde pública por meio de tecnologias digitais, inteligência artificial e sistemas de informação interligados.

Lançado como parte da estratégia nacional de digitalização da saúde, o PA Saúde Digital contempla ações de curto, médio e longo prazo que buscam reestruturar a forma como o Sistema Único de Saúde (SUS) opera em todo o território nacional. Um dos marcos do plano é a criação do primeiro hospital inteligente do Brasil, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP). A estrutura será modelo na aplicação de inteligência artificial para atendimentos de urgência e emergência, com potencial para reduzir significativamente o tempo de espera e otimizar os fluxos assistenciais.

A iniciativa tem como base a digitalização e integração de dados entre as redes municipais, estaduais e federal. Em março de 2025, o Ministério da Saúde recebeu mais de 120 planos de ação elaborados por gestores locais, reafirmando o compromisso das esferas federativas com o projeto. Essa adesão expressiva demonstra o interesse crescente em modernizar os sistemas de regulação, vigilância, atenção primária e hospitalar por meio da tecnologia.

Um exemplo prático dos resultados já alcançados é a integração dos dados de regulação do estado do Ceará à Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS). A ação permitiu o compartilhamento em tempo real de informações clínicas e administrativas, proporcionando maior eficiência na gestão e tomada de decisões assistenciais.

O PA Saúde Digital também é um dos pilares do programa SUS Digital, iniciativa estruturante que visa transformar o SUS em um sistema mais eficiente, acessível e centrado no cidadão. Em Serrana (SP), por exemplo, foi apresentada a primeira etapa do SUS Digital, evidenciando os ganhos em transparência, redução de desperdícios e ampliação do acesso a serviços por meio da digitalização.

Outro aspecto importante do plano é a adoção de soluções inovadoras como prontuários eletrônicos interoperáveis, telemedicina, aplicativos para acompanhamento de pacientes e algoritmos preditivos de demandas de saúde. A transformação digital não apenas contribui para a melhoria da qualidade dos serviços, como também fortalece o papel do SUS como um sistema público de saúde de referência mundial.

A proposta do Ministério da Saúde com o PA Saúde Digital é clara: colocar o Brasil na vanguarda da saúde digital, garantindo que a tecnologia seja uma aliada na universalização do cuidado, na promoção da equidade e na construção de um sistema de saúde mais resiliente e preparado para os desafios do século XXI.

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Hospitais privados sofrem com R$ 5,8 bilhões em glosas e cobram revisão na relação com operadoras de saúde

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Levantamento da Anahp mostra que quase 16% dos pagamentos foram retidos em 2024, comprometendo investimentos e a sustentabilidade dos serviços hospitalares

A retenção de pagamentos por parte das operadoras de saúde — prática conhecida como glosa — atingiu níveis alarmantes em 2024, segundo dados divulgados pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). De acordo com o levantamento, os hospitais deixaram de receber R$ 5,8 bilhões em valores referentes a procedimentos realizados, o que representa 15,89% do total faturado ao longo do ano.

Esse índice é quatro pontos percentuais maior que em 2023, e levanta sérias preocupações sobre a sustentabilidade financeira do setor hospitalar privado no Brasil.

Glosas: justificativas x excesso

A pesquisa da Anahp foi realizada entre 21 de janeiro e 28 de fevereiro de 2025, com a participação de 85 hospitais associados. Dentre as contas glosadas, apenas 1,96% foram consideradas justificáveis, ou seja, resultaram de erros ou inconsistências legítimas nos processos assistenciais ou administrativos. Isso indica que a maior parte das glosas teve caráter questionável ou excessivo, segundo os hospitais.

Essa prática de glosas sistemáticas compromete diretamente o fluxo financeiro dos hospitais e, por consequência, sua capacidade de manter e expandir a oferta de serviços à população.

Impacto direto na assistência

O levantamento também revelou que o saldo de provisão para devedores — uma espécie de reserva que os hospitais mantêm para lidar com atrasos e inadimplências — cresceu para R$ 1,8 bilhão em 2024, contra R$ 1,4 bilhão no ano anterior.

Em consequência desse cenário, 41,7% dos hospitais entrevistados afirmaram ter sido obrigados a reduzir investimentos planejados. Essa contenção de recursos afeta diretamente áreas essenciais como:

  • Expansão de leitos;
  • Modernização da infraestrutura;
  • Aquisição de novos equipamentos;
  • Capacitação de equipes médicas.

Uma relação que precisa ser revista

Para o diretor-executivo da Anahp, Antônio Britto, o problema vai além dos números. “O setor hospitalar depende, em grande parte, dos repasses das operadoras para manter suas atividades. As glosas, quando utilizadas de forma sistemática para retenção de recursos, afetam toda a cadeia, incluindo fornecedores e serviços de medicina diagnóstica”, afirma.

Britto reforça que o direito de revisar e auditar procedimentos é legítimo, mas deve ser feito com transparência e responsabilidade, de modo a não inviabilizar a operação dos hospitais.

Operadoras lucram, mas hospitais sangram

Os dados do relatório ganham ainda mais peso diante dos bons resultados financeiros recentes das operadoras de saúde, conforme divulgado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O setor de planos de saúde apresentou, em 2024, o melhor desempenho financeiro dos últimos cinco anos.

Para Britto, é essencial que esses ganhos sejam compartilhados de maneira equilibrada em toda a cadeia da saúde. “A sustentabilidade da saúde suplementar depende da saúde financeira dos hospitais. Não é possível manter um sistema eficiente se os prestadores de serviço não recebem pelos atendimentos realizados”, conclui.


Reflexão: o futuro da saúde suplementar em xeque?

O aumento das glosas e a insatisfação dos hospitais privados sinalizam a urgência de um novo modelo de relação entre operadoras e prestadores. Em um momento em que se discute cada vez mais a importância da eficiência, da qualidade assistencial e da humanização, a sustentabilidade financeira dos hospitais é peça-chave para garantir o acesso da população a serviços de saúde de alto nível.

Mais do que nunca, é preciso repensar os mecanismos de regulação, auditoria e remuneração no setor da saúde suplementar. O equilíbrio entre operadoras e prestadores é não apenas uma questão contábil — é uma questão de saúde pública.

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