A possível imposição de tarifas alfandegárias por parte dos Estados Unidos sobre medicamentos e insumos farmacêuticos pode desencadear uma crise sem precedentes no abastecimento de genéricos no país e no mundo. A medida, que ainda está em avaliação pelo Departamento de Comércio americano, preocupa especialistas, fabricantes e entidades do setor, principalmente diante da forte dependência dos EUA de remédios produzidos na Índia e com insumos vindos da China.
Atualmente, os medicamentos genéricos correspondem a cerca de 90% do consumo farmacêutico dos Estados Unidos, com a maioria sendo fabricada em países de menor custo, como a Índia, que lidera globalmente nas exportações desses produtos. Os princípios ativos, por sua vez, vêm em grande parte da China. Se as tarifas de até 25% forem aplicadas, como sugerido por autoridades americanas, os impactos poderão ser devastadores para a cadeia de suprimentos e para os consumidores.
Alerta do setor e risco de desabastecimento
John Murphy, CEO da Associação de Medicamentos Acessíveis (AAM), afirmou que as tarifas ameaçam especialmente os medicamentos injetáveis mais antigos, como os quimioterápicos, que já operam com margens financeiras estreitas. “Esses produtos podem se tornar financeiramente inviáveis, levando fabricantes a abandonar sua produção”, alerta Murphy.
A preocupação é reforçada pelos dados da Sociedade Americana de Farmacêuticos do Sistema de Saúde (ASHP), que mostram que 323 medicamentos estiveram em falta nos EUA no primeiro trimestre de 2024, o maior número já registrado.
Impactos para a Índia e para a saúde global
A Índia, responsável por 20% das exportações globais de genéricos e por 60% das vacinas de baixo custo, seria uma das economias mais impactadas pela medida americana. Fabricantes indianos alertam para a perda de competitividade de seus produtos no mercado dos EUA. “Os genéricos indianos ficarão mais caros e poderão perder espaço, o que comprometeria sua viabilidade financeira”, afirmou B. Partha Saradhi Reddy, presidente do conselho da Hetero e membro do Parlamento indiano.
Consequências econômicas e sociais
Além da ameaça de desabastecimento, há a expectativa de aumento nos custos dos tratamentos, tanto para pacientes com seguro quanto para os que arcam com os custos do próprio bolso. Estimativas do banco ING apontam que o tratamento de 24 semanas com um genérico oncológico pode ficar até US$ 10 mil mais caro com a aplicação de tarifas.
Stephen Farrelly, diretor global de farmacêuticos e saúde do ING, destaca que os consumidores mais afetados serão os sem cobertura de seguro-saúde, embora o impacto também deva ser sentido em aumentos nos prêmios dos planos de saúde.
Um tiro no próprio pé?
Especialistas avaliam que, ao buscar proteger sua indústria local, os EUA podem comprometer o próprio sistema de saúde. “Muitos medicamentos simplesmente não são produzidos em nenhum outro lugar além da Índia. Taxá-los é aumentar ainda mais os custos para o próprio consumidor americano”, afirma Prashant Reddy, coautor do livro The Truth Pill, que trata da indústria farmacêutica indiana.
Enquanto o debate continua, o setor farmacêutico aguarda as conclusões da investigação do Departamento de Comércio dos EUA, previstas para os próximos meses. Contudo, com a possibilidade de decisões antecipadas, a indústria se mobiliza para alertar sobre os riscos à segurança sanitária global.